segunda-feira, 9 de novembro de 2009

IKÙ

Ikú, orixá tão belo,

Que as moças e ate os donzelos

Buscavam por entre os campos,

Era o que de mais real tinha,

No mundo que meu pai vivia,

A morte e toda sua completa sorte.



Era ele sim esse deus sombrio.

Que nas noites de dor e de frio,

Arrastava por entre charmes e beijos

Os homens mais valentes do povo.

Levava então seduzindo, sem força,

Para sua morada sinistra e sombria



Quem diria que criatura tão bela,

Magnífica figura de perfeitos traços,

Moraria na densa floresta da morte.

Lá ele era o senhor de todas as coisas

Ele era sim, a fria e temida morte,

Que infelizmente nem Exu pode matar

sábado, 24 de outubro de 2009

Tem que ter dendê

Tem que ter dendê.
Na veia que leva e traz essa vida.
No caldeirão fervendo que te impulsiona.
Fazendo do quente o mundo que gira.

Da armadura verde de Ogum.
É mariô
Proteção e passagem para todos os mundos.

Dos olhos abertos do deus Ifá.
É o ikin
Ferramenta que mostra o caminho de todos.

Da boca de fogo que tem Xangô.
É Ajerê
Labareda que queima e espalha essa força.

Tem que ter dendê.
No filho que cheira a luta dos homens.
Na mãe que frita nove meses a cria.
Fazendo do óleo o mundo que gira.

Do vento feroz que sopra Iansã.
É Acarejé
Alimento da alma de mulheres valentes.

Das artimanhas cruéis de Exu.
É o Padé
Símbolo e imagem que liga e transforma.

Da proibição de beber de Oxalá.
È vinho de palma
Sono profundo que te faz esquecer.

Tem que ter dendê.
Como símbolo que revigora o passado.
Como força que arromba o futuro.
Como vivencia que seduz o presente.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Preguiça

Se sinto esta falta de vontade
Sou quase um ser perfeito.
Não sinto mais desejo de ter,
Poder sentir, viver os toques;
Os moldes que devem existir

Se sinto esta falta de vontade
Sou quase um ser da bíblia.
Falido, sem vida fazendo careta.
Sem tocar no amor mais ardente
Na fúria ou alegria de gente

Se sinto esta falta de vontade
Sou quase uma pedra budista.
Sabendo viver mais que plácido,
Como uma pedra que se deixa,
Se larga no mar, num rio, num lago.

Se não sinto esta vontade agora
Sou quase uma preguiça
De poder existir.

Saudade

O vendo sopra mais um dia.
Meus cabelos se deixam, se embaralham.
E a vida continua...
Mais uma festa e a bebida já me faz rir.
Ainda meio envergonhado começo a dançar.
E sinto mais uma vez que a vida continua.
Às vezes nem lembro mais...
Tenho que respirar, correr, brigar, sorrir,
E como sempre sinto que a vida continua.
Mas em verdadeiros instantes,
Estes em que acabo decidindo quem sou,
Afirmando quem fui e quem vou ser,
Você está la dançando sua dança louca
Como uma marca eterna da saudade.

domingo, 18 de outubro de 2009

A Flor

Ser a flor deste mundo.
Pisada, cortada, alterada geneticamente.
Florescer em estandes de super mercados.
Com olhos de inveja sobre seu caule.

Morrer por amor.
– Mau me quer, bem me quer –
Por mãos ainda trêmulas e carentes.
Por olhos tampados de medo.

E a natureza vive...
Mesmo fazendo inalações repentinas.
Mesmo respirando a fumaça-progresso.

Rasga

Rasga.

Sobe sobre meus ombros.
Angustia todos os poros.
E do amarrotado coração salta,
Pulsa e quase explode,
Dentro d´alma turva,
A fulgaz razão que me afunda.

Olhares por todas as partes
Moças que passam, rabos que bumbam.
Carros não param, nem no vermelho esperam.
O sol já não queima, arde.
Encharca de suor um corpo,
Verte de terror um dorso.

...

Deste mundo só espero sua dor.
Mas a dor sendo sua me faz todo.
E o ar, as ondas, a pólvora e o barro;
Completam, explodem, balançam, moldam.
Pois são realmente minhas tuas verdades.
E a tua dor me faz tão seu.
Que derretido, quebrado, maltrapilho, vendado.
De vez em quando choro quando não sofro.
Mundo estranho quando dele só se espera o amor,
Pois quase rimando com dor ele mata.
E o meu amor é a dor tua.
Que puro não é.
E a ti pertence.

Chapada

Nuvens de doce água barrosa.
Sonhos de pedras, caminhos perdidos.
Milênios de existência e silencio
Ruídos por gritos eufóricos.

Entramos nesse céu vertical.
Homens confusos de dor penetrante.
Hipnotizados pelo ruído de silêncio aquoso,
Que cai atormentando quem não é silêncio.

Olhamos, gritamos, bebemos da água divina.
Somos agora anjos sem dor.
Momentos de tudo, momentos de ser.
Ser esta pedra, esta imensidão sem razão.

Não pensar como Sócrates
Não comer como Adão
Não matar como Deus

E vamos embora, com a mente turva.
De ferro, de barro, de folhas.

Anjo de fogo

Reencontra neste céu,
Espalhado sobre a mente,
Volúpias de um bordel,
Tremendo gozo ardente!

Viva esse paraíso
Inferno de outro Deus!
E Cai nos olhos tortos
Com lábios rubros teus

Anjos belos e cornos
Dar-te a flor celeste
Podem! Essa dama-ouro
Que toca flauta agreste.

Do sexo são teus príncipes:
Não ter nenhum é todo,
Mar divino de fogo
Espalhado sobre a mente!

Abraço

Como poderei cantar liberdade,
Se este sol já não se alevanta,
E a luz, que queima seu rosto,
É falsa como todo o seu abraço.

Como viverei toda uma verdade,
Se a mentira já me entorpece,
Alivia toda esta culpa
Falida, que sai do teu corpo?

Como poderei gritar com o bizarro,
Atira pedras sobre o absurdo,
Confabular minhas próprias despedidas,
Se eu sou este teu braço forte?

Por enquanto ainda Durmo

Minhas mulheres, minhas musicas, minhas cores são de outros. Outros talvez eu, mas não este que neste momento dorme enquanto a águia desliza sobre o ar com suas asas industrializadas. Estava longe de casa fazia anos; talvez milênios se a saudade somasse suas forças avassaladoras à passagem do tempo. Estava louco de não ser mais eu. Sou um velho cansado, muitos diriam que era um velho safado, mas este não era eu... A águia branca que no céu desviava das nuvens me faz dormir. Ela balança suavemente, faz um som que me lembra o feroz vento da minha infância. Em tempos remotos em que me chamavam de jovem. Este era eu? Meu Deus! Como pude viver uma doida existência sem saber quem era. Ainda bem que agora durmo, senão cairiam pequenas lagrimas dos meus olhos, coisa que vem acontecendo toda vez que tento achar minha cara no espelho. Acontece tanto que tenho, no momento, que me abastecer de caixas e caixas de papel de rosto. Igual minha velha mãe que... Não sei! Não, ela não chorava! Quem então chorava enquanto a noite do agreste reclamava sua ira? Eu era jovem. Escutava tudo ao meu redor; os bichos da noite, os riachos tão perto e o choro calado, quase sem forma de uma mulher sofrida. Mas quando o sol rasgava a imensidão negra e resplandecia a terra, não havia mais nenhuma mulher frágil. De um lado minha vó tão velha que nem falar mais podia, de outro minha mãe. Tão firme, tão áspera, como um general no comando. Não! Não havia lugar para alguma frágil mulher que chorava ao anoitecer. Ela era uma assombração do nordeste. È por isso que até hoje quando as lagrimas desobedientes caem sobre minha epiderme envelhecida ainda sinto a culpa de ser tão fraco, e por incrível que pareça esta culpa me ascende uma pequena pista, uma fagulha do que talvez eu possa ser. Nunca havia dormido de uma forma tão racional, Aristóteles deve estar feliz. Pena que daqui a pouco um alto-falante ira me acordar. Sairei da águia com o rosto firme e nariz em pé, fingindo não ter nenhuma pista do que sinto. Mas também terei todo o agreste da minha infância e caixas e caixas de papel de rosto para me chutarem a bunda e gritarem em meus ouvidos algumas verdades que tento esconder. Como um vento feroz eu irei passar por tudo que já fui e talvez por um instante chorar no meio da rua ao meio dia...
Porem por enquanto ainda durmo.

Tua face

De repente vi toda tua face desfigurada,
Entre partes de um todo poderoso e triste.
Penetrante, viril e cruel: Agre-doce.
Feroz entre essas podres selvas distintas,
Entre todas essas forças vulgares,
É essa toda tua face milhares,
De todas as coisas e vidas,
De amores; todas as mortes,
De veneno por dores,
De todas as cores!
Desfigurada,
É tua face,
Milhares...

Iroco

Essa árvore fincada no chão é memória vivida.
Força que neste caule grosso e valente
Faz-se presente na terra que meu pai pisou.
Terra que é a folha não mais em branco,
Que escreve e escreveu meus passos,
Seus traços, nossas vidas vividas.
Do mundo ancestral clamando.
Do vento o pó que voa. Da água a lama surgindo.
É essa árvore fincada neste chão sagrado,
Essa humanidade vivida, lembrada, espalhada.
Identidade ereta, vezes cortada pela raiz,
Mas renascida na semente que o vento leva.
Para longe ou para perto, para além d´africa
É a força. A razão de não sermos coisas.
De sermos de toda beleza a fonte que dança,
Sacudindo a poeira ou revirando a lama
De onde este Iroco fincado canta

Lufã

Ó papai, lamento muitas coisas
Das que fiz quando não sabia
Dançar com tuas costas curvas,
Apoiado no teu opaxorõ prateado.

Pois a bebida, um dia vinho de palma,
Foi meu sono cruel perdido no tempo.
De todo o meu desejo mais constante,
De minha proibição mais doce.

Agora sinto sim! Seu Ijexá é mais lento.
É como se o teu amor fosse á teu tempo.
E me sinto tão seu que de olhos fechados
Me pego de ombros tortos, d´alma leve.

Ó Oxalufã, deus entre os sábios quietos.
Criança levada e ingênua que Exu acalenta.
Velho safado, e homem incompleto no mundo.
Vilão no fetiche veloz da vida moderna.

Calmo pode até ser, as vazes parece.
Mas a cor que teu pano reflete é branco,
A vida e a força de todas as cores,
A luz de Olorum, o reflexos dos homens.

Tu es o movimento brando, mas não é inércia.
Pois devagar carrega todo o mundo nas costas.
Por isso se apóia no teu bastão prateado.
Por isso se coloca de baixo de seu alá encantado.

Frágil figura

É difícil me erguer todos os dias.
Tentando colocar a espada na mão direita,
E com a esquerda pilar o inhame.
Amassando a fome, a dor, o desespero.
Afiando a luta, a coragem e a ousadia.
Meu pai, símbolo do meu ser ideal,
Passou por toda a África, a Grécia, a Ásia.
E desaguou nas terras do pau-brasil
Sendo ainda o mesmo guerreiro,
Valente, charmoso e dócil.
E eu, fotografia da sua alma,
Fico perdido nas gloriosas referências
Do meu ser mitológico.
Não sou sua espada erguida,
Nem o inhame amassado no pilão sagrado.
Sou muito mais uma frágil figura,
Quase como Dom Quixote
Querendo ser cavaleiro andante.
Ou o reflexo frágil que olhou narciso.
Ou o ultimo na fila antes do pequeno Arthur,
Que tentou e tentou livrar a grande Excalibur

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Tambor

Essa musica tem cheiro de memória.
Do coro seco, da pele esticada,
Onde meus ancestrais dançam.
Do sangue animal sacrificado,
Que alimenta e equilibra a alma,
Que sustentam as bocas com fome,
Onde minha essência revive a plenitude.
E emocionado eu cheiro, eu danço.
Atingido por rápidos relâmpago,
Banhado nas águas de grandes rios,
Moldado pela lama da terra barrosa,
Queimado no fogo que me acorda,
Tudo contido na batida grave do agogô,
No batuque eletrizando do tambor
Do Rum, Rumpi e do Lê.