segunda-feira, 14 de março de 2011

Ciranda sem fim pra Lia



Composição: Lucio Sanfilippo
O lia iemanjá pediu
Que eu fosse à praia pra te ouvir cantar
E as ondas se agitavam de alegria
Nesta ciranda à vera, feita à beira-mar
Ciranda cirandeira
Oi ciranda no mar cirandeira
Oi ciranda na terra
Ciranda na ilha pro povo cantar
Ciranda cirandeira
Oi ciranda pro mar cirandeira
Oi ciranda pra terra cirandeira
Ciranda pra lia de itamaracá
Lia cirandeira merendeira
Que no tempero já traz letra e melodia
A madrugada dança feito uma criança
E a lua pede ao sol pra não nascer o dia
Ciranda cirandeira
Oi ciranda no mar cirandeira
Oi ciranda na terra
Ciranda na ilha pro povo cantar
Ciranda cirandeira
Oi ciranda pro mar cirandeira
Oi ciranda pra terra cirandeira
Ciranda pra lia de itamaracá
Lia, fina flor da realeza
Mãe da beleza, majestade da alforria
O povo em roda clama por tua presença
Que és de nascença, soberana da alegria
Ciranda cirandeira
Oi ciranda no mar cirandeira
Oi ciranda na terra
Ciranda na ilha pro povo cantar
Ciranda cirandeira
Oi ciranda pro mar cirandeira
Oi ciranda pra terra cirandeira
Ciranda pra lia de itamaracá
Lia negro amor vens de luanda
Cantar ciranda pra saudar iemanjá
E lá no alto as estrelas vão chegando, devagar
Dando suas mãos pra começar a cirandar
E quando a noite se cansar
E vir raiar um novo dia
A gente canta ciranda sem fim pra lia
Ciranda cirandeira
Oi ciranda no mar cirandeira
Oi ciranda na terra
Ciranda na ilha pro povo cantar
Ciranda cirandeira
Oi ciranda pro mar cirandeira
Oi ciranda pra terra cirandeira
Ciranda pra lia de itamaracá

domingo, 13 de março de 2011

Texto sobre o filme “Conquén” : A Conquém e o Maracatu


Texto sobre o filme “Conquén” : A Conquém e o Maracatu

1. O que é Maracatu para o filme
O maracatu denominado de “nação” ou de baque virado é de acordo com a obra de Guerra Peixe, uma manifestação da cultura popular pernambucana que tem suas origens no séc. XVII. Ele nasce das cerimônias de coroações dos reis negros no momento em que se cria a Instituição Mestra através da qual a Coroa Portuguesa ‘autorizava’ os negros, escravos ou libertos, a elegerem seus reis e rainhas de acordo com as diferentes etnias africanas trazidas ao Brasil. Os homens que se originavam do congo eram da “nação” de escravos que mais se destacavam dentro das associações das irmandades de nossa senhora do rosário dos homens pretos e de são Bento, por isso contavam com a proteção do “senhor branco” e com a piedade da igreja católica que em determinados dias assistia a festa de coroação de seus soberanos. Estas coroações que eram conjunto de atividades acabam por se manter somente como um cortejo, este que dá origem ao maracatu, um cortejo onde uma orquestra formada só de elementos de percussão, tocam “toadas” e dançam a coroação do rei de congo. O que a principio parecia ser uma completa dominação cultural dos valores europeus e também uma submissão à fé católica era na verdade um ato de resistência cultural.
“A maior parte dos estudos sobre os maracatus repete a descrição etnográfica inaugurada por Pereira da Costa em Folk-lore Pernambucano (1974), cuja primeira edição é de 1908, construindo uma tipificação e concluindo, em decorrência, que não teria havido mudanças nos maracatus desde o início do século XX. O enfoque destes estudiosos nas roupas festivas, cetros reais, presença de reis e rainhas, dentre outros aspectos, segundo Maccord, gerou a concepção de que praticamente não ocorreram mudanças em aproximadamente cem anos, contribuindo para se firmar a idéia dos maracatus como ícones da tradição na cultura popular e eles não serem percebidos em sua historicidade. (...) além de esparsa documentação referente aos anos de 1900 a 1930, afirmamos que é necessário levar em conta as constantes adaptações dos maracatuzeiros às transformações da vida cotidiana, sem imobilizar o maracatu em uma tradição na qual as pessoas são desprovidas da capacidade humana de criar e reinventar” (MARACATUS-NAÇÃO E RELIGIÕESAFRO- DESCENDENTES: UMA RELAÇÃO MUITO ALÉM DO CARNAVAL pg 4)

2. A relação do Maracatu com o Candomblé (Xangôs em Pernambuco)
“As transformações, antes de tudo, são próprias às atividades humanas”. Não podemos ter como ponto de partida o velho jargão que os maracatus-nação são espaços do xangô, ao passo que os maracatus de orquestra constituem manifestações ligadas a Jurema, como se tais relações fossem naturais, e não historicamente constituídas “. (CANCLINI, Nestor García. Culturas Híbridas. São Paulo, Edusp, 1998, 2ª edição)”.
O que se vê hoje é que os maracatuzeiros e os seus maracatus se relacionam com o xangô, mas também existem os que estão ligados à jurema, bem como com o Umbanda. Assim, é possível que a relação entre xangôs e maracatus tenha sido reforçada pela necessidade que tinham os praticantes das religiões afro-descendentes de fugir à repressão. Pois os maracatus como instituições carnavalescas eram permitidos.
Sob pretexto de que se tratava de casas de maracatu os macumbeiros vinham ali exercendo grande atividade, reunindo grande número de adeptos aos cultos afros. A citação abaixo sintetiza melhor a questão:
“Assim, às vésperas das grandes datas da seita, determinadas figuras do culto africano acorriam às sedes dos maracatus e ali, sob os auspícios da Federação Carnavalesca, realizavam matanças e outros sacrifícios em holocausto aos deuses negros, e no dia seguinte, sempre aos domingos, a guisa de ensaio do batuque, promoviam na parte externa um discreto toque para os ‘orixás’. Homens e mulheres da seita tomavam parte na roda e, quando alguém se manifestava, era imediatamente levado para o interior, onde se fazia o despacho do invisível.” (REAL, 2002, p. 33)
Com isso é possível perceber a existência de fortes indícios de que a relação entre as religiões afro-descendentes e os maracatus-nação ganhou força com o período de repressão que se sucedeu aos anos 1930. Isso não significa que não houvesse elos entre os dois tipos de manifestação cultura-religiosa, anteriores ao período citado. Principalmente pelo fato de ambos serem originados da relação do escravo vindo da áfrica com a sua nova terra.
Mesmo com estas constatações que a ligação do maracatu com os xangôs tenham aumentado por causa da repressão policial e não um fator natural derivado de ambas as origens africanas é inegável que ambos tenham pontos em comum, pois ainda vemos casas de santos onde são cantados os orixás africanos e vemos também maracatus onde se brinca de rei africano. Mesmo que sendo uma construção, este universo africano está lá como recriação de valores trazidos pelo negro escravo de sua terra natal, uma recriação puramente brasileira. Assim estas idéias de origem de identidade inseparáveis entre o maracatu e as religiões afro, podem ser verdades construídas, mas que passam a ser fundamental para a existência do próprio Maracatu chamado de “nação”.
Idéias como vemos na obra de Guerra Peixe, onde o maracatu “nação” se constituía no inicio em sua maioria por iniciados nos Xangôs pernambucanos. Tanto que ele também já foi chamado de Afoxé. Um termo que hoje dá nome a um ritmo baiano também de origem negra dos candomblés. A palavra apareceu no recife certamente, em virtude da influencia religiosa que os sudaneses (negros denominados “nagô”) exerciam sobre os bantos. Desta forma é possível escutar nos terreiros de santo o ritmo do maracatu, mesmo que alterado pela diferença entre as potentes alfaias e caixas e os sagrados atabaques tocados por finas baquetas de madeira ou pelas mãos. Alterado também pelas circunstancias, no terreiro se toca num lugar fechado, onde os santos dançam ao redor da coroa do rei Xangô, já no maracatu se toca em ar livre, por isso bem alto, onde todos acompanham o rei coroado do congo e sua corte. Guerra Peixe ainda afirma que nos velhos maracatus de recife, onde as tradições negras permanecem bastante evidentes, o canto se denomina “toado” , como também a musica sagrada dos orixás nos Xangôs, podendo assim se notar no maracatu traços melódicos característicos da musica brasileira de origem negra principalmente pelo fato da melodia ser interpretada por pessoas habituadas a cantar nos terreiros afro-brasileiros. Ainda se pode perceber essa ligação religiosa do Maracatu quando algumas toadas favorecem a incorporação dos orixás. Como a toada “ôlé-lé-óu” que é cantada para louvar os terreiros. Diante de qualquer culto afro-recifense constitui ”obrigação” cantá-la em execução excepcionalmente realizada por todos os participantes. Alem destas toadas especiais que geram a incorporação, há também umas consagradas a exu, geralmente cantadas ao serem estabelecidas dificuldades à caminhada do cortejo ou ao ser criado alguma confusão. O ritmo destas toadas se chama “Luanda” e é justamente usada só para saldar exu e os eguns. Diferente do ritmo habitual do Maracatu: o baque virado.
Outra ligação do maracatu com as religiões afro-brasileiras são as denominadas “Calungas”, bonecas usualmente feitas de cera e madeira que representa nos seus axés a força dos antepassados do grupo, sendo também associada á proteção espiritual. Esta boneca é carregada por uma importante figura da corte chamada ‘Dama-do-paço’. Em sua honra são cantadas, ainda dentro da sede, as primeiras loas, quando a Calunga é retirada do altar pela dama-do-paço e passa às mãos da rainha, que a entrega à baiana mais próxima e assim se sucede. “Em canções oferecidas a Calunga Dona Emília que os músicos executam o ritmo de Luanda - o toque ‘para salvar os mortos ou eguns”. A Calunga "Dom Luís" representa um rei africano, sendo por isso considerado como "Rei do Congo" pelos membros do grupo; numa clara referência aos primórdios do folguedo, coincidindo com a crença de que os poderes da Calunga estariam ligados aos seus ancestrais africanos. Assim a calunga é um elemento mágico que protege e mais do que isso da uma unidade de identidade ao grupo.
È importante então perceber que mesmo podendo ser uma construção, a ligação entre a religiosidade afro-brasileira e o Maracatu existe. Nota-se também a extrema necessidade de se afirmar o africano puro nas duas tradições, o termo nação denota isso, como se o Maracatu nação fosse naturalmente uma tradição trazida pelos negros da áfrica sem que quase não houvesse mudança. Temos também a constatação de outras religiosidades ditas menos puras como a Umbanda e a Jurema, que fazem parte deste universo, mas que são deixados de lados por não serem considerados “puros”. E a inegável força da igreja católica, que no processo histórico também deixou fortes marcas no folguedo.

3. Porque usar o maracatu como o elemento mágico que o personagem vai se identificar? E porque dar ao titulo do filme o nome de “Conquém”?
No filme o personagem passa por uma transformação mental, onde sua visão de mundo muda completamente, quase como em um rito de passagem, onde a criança começa a olhar o mundo de uma maneira adulta. No caso o personagem assume o universo mágico ao seu redor. Universo que começa a ser predominante nos dias atuais onde a valorização da imagem como representação do mundo e de verdade passa a ser mais real e importante que a extrema racionalidade criada pela representação do mundo através das palavras, uma representação racionalista e linear. Desta forma o personagem entra neste universo, onde a magia se encontra e passa não só a se entender como a redescobrir sua própria identidade. Este domínio de magia em que a imagem se encontra é também o domínio das religiões afro-brasileiras como, por exemplo, o candomblé Baiano, os Xangôs pernambucanos, as macumbas cariocas, as juremas, as Umbandas e etc... São religiões mágicas, religiões que vêem o mundo de uma forma mágica.
Desta forma o maracatu é o elemento perfeito para representar essa descoberta do personagem. Ele é tanto a celebração, mesmo que construída, de uma visão de mundo afro-brasileira, com a coroação do rei de congo, da calunga como reafirmação da identidade representada por um ancestral, do batuque e da dança, como, acima de tudo, é um espetáculo de símbolos e imagens que representam forças mágicas, um espetáculo de cor, som, movimento e fúria, importantíssimo para o apelo estético da obra cinematográfica.
Assim o Maracatu surge para o personagem como algo que ele não conhecia, mas que faz parte da constituição de sua identidade, e por isso uma descoberta. Se o personagem se deparasse com uma escola de samba ele não sentiria esse deslumbre que o impulsiona para este universo mágico. Se no lugar de um samba fosse um Jongo, também considerado uma tradição carioca oriunda dos negros escravos, ele não teria a potencialidade expansiva que o Maracatu tem.
Esta característica expansiva do maracatu se iguala ao estado de espírito do personagem naquele momento. Como se pode perceber nas fortes batidas das alfaias e no rufar das caixas, como se o Maracatu fosse criado para ser tão potente que escondesse o barulho do atabaque dentro dos terreiros perseguidos pela policia. A orquestra percussiva do maracatu alcança uma pujança sonora e seca aumentando sua velocidade e batendo mais forte nos tambores ao longo de uma “Toada” criando assim uma graduação emocional. O personagem então, se identifica com este ritmo por um lado lento, mas executado com bastante violência, de um modo impetuoso onde, o bater dos tambores traduzem a emoção do personagem.
Na religião mágica como o candomblé existe sempre uma iniciação. No caso especifico é a “feitura de santo”. Ritual que é marcado pela raspagem da cabeça e o uso de diversos elementos simbólicos, dês de colares e roupas a pinturas no corpo do iniciado. Este ser não será mais o individuo que era antes, ele passa por uma transformação. Ele renasce simbolicamente, renasce em um contesto mágico, e passa a se denominar Iaô, que quer dizer a noiva do orixá. Como Iaô o noviço é relacionado com a Galinha d’angola, ou chamada também de Conquém. Neste contesto ela é considerada um animal que já nasce “feita”, tanto que muitas características físicas, como as pintas brancas da galinha, são desenhadas no corpo do neófito. Outra característica interessante da conquém é que ela é um animal muito arisco, não sendo criada em cativeiro facilmente, ou seja, ela também representa a liberdade, coisa muito importante para os negros escravos, e representa também a vontade e a alegria de viver, características típicas do modo de ver o mundo do afro-brasileiro.
O personagem é então um neófito, que ira se encontrar no modo de ver o mundo africanizado, de ver o mundo representado pelas imagens, pelos rituais, por tudo que é virtual, como o próprio ritual. É justamente o processo que o personagem passa, ele se torna iaô. Ele se torna galinha d’angola, e se torna uma Conquém. Ele é marcado pela musica das potentes alfaias e da eletrizante caixa de guerra. Ele é levado pela dinâmica dança da vida. Ele é desenhado pelas cores das roupas dos orixás. Ele é raspado pelas lanças dos caboclos. E por fim se vê representado pelo estandarte do maracatu. O desenho de uma galinha d’angola, galinha que é a representação da própria Iaô na cultura jeje-nagô.
O maracatu é o ápice do filme, pois tudo o que acontece no decorrer da narrativa potencializa este momento final mudando a realidade do personagem. Como por exemplo, a falta de sentido na vida racionalista que ele vinha levando, vida que já não supria suas necessidades. O cortejo passa a ser então o momento em que o homem se assume como um ser mágico, se assume como conquém e mostra para todos que ele agora faz parte desta visão, de mundo. Por isso o maracatu esta relacionado também com a festa em que o iaô se revela, festa chamada de “saída de santo” um momento também ápice, em que o noviço dança incorporado no seu orixá e este fala para todos o seu nome, afirmando assim sua identidade. Nesta festa se louvam os orixás, se cantam e dançam em nome desta visão de mundo mágica. Assim os orixás também estarão presentes no maracatu representados pelos personagens da corte.
Por estes motivos o maracatu no filme se chama maracatu Galinha D´angola. Um maracatu que é na verdade uma recriação com base nos maracatus de recife e nas representações dos orixás africanos no Brasil. Assim esta concepção de maracatu permite colocar cada participante do cortejo representando um elemento do universo mágico das religiões afro-brasileiras.
No maracatu tradicional vemos uma corte real, ricamente paramentada com vestimentas ao estilo Luís XV, aonde se vêem muitos elementos de importante simbologia e singularidade visual. Além do rei e rainha, existem ainda outros personagens importantes na corte como os príncipes e princesas, barões e baronesa, embaixador e embaixatriz... As catirinas, assim como os lanceiros, representam os vassalos que, com seu bailado, circulam a corte real, protegendo-a. Esses são alguns dos elementos mais tradicionais, além destes existem outros que vêm sendo introduzidos mais recentemente, como é o caso da ala que representa os orixás e da ala ‘afro’ que dança passos marcados. No caso o filme reforça mais este elemento afro.
Pode-se então elaborar esse desfile como contendo alguns personagens tradicionais da festa amalgamados com a representação de alguns Orixás Vejamos como poderia ser, mais ou menos, a relação de alguns personagens com os orixás: e os objetos que este Maracatu teria.

4. PERSONAGENS:
REI – representado pelo Orixá Xangô pelo motivo de Xangô ser o rei. Sua coroa é um símbolo forte para a comunidade dos terreiros, pois é em volta dela que se louva o orixá.
RAINHA – Oba uma Ancestral guerreira que trás na sua tradição a força feminina.

DAMAS DO PAÇO– representada pelo Orixá Oxum. Ela também é o símbolo do feminino, da riqueza e da fertilidade. É ela que vai gerar a continuidade da corte e assim da tradição. Ela por isso tem uma grande ligação com a iaô, pois sendo a mulher que gera, ela é também uma representante da a ancestralidade, por isso carrega a calunga. Nos maracatus mais tradicionais é uma mulher virgem de Oxum que carrega o boneco.

PORTA-ESTANDARTE – o orixá que representa a comunicação é Exu. Ele também aparece sempre primeiro, é louvado primeiro, é cantado primeiro, e come em primeiro lugar. Para poder se comunicar com os outros, com a ancestralidade é importante primeiro ter Exu como o embaixador, que faz justamente a comunicação de uma corte com outros lugares.

LANCEIROS – São representados por orixás que tem mais relação com a caça e a guerra. De um lado temos Ogum, que é o senhor da guerra e da tecnologia. E de outro Oxossi, que é o rei caçador. De um lado temos a defesa contra os inimigos, de outro temos a luta pela caça e com ela a fartura e a subsistência do reino. Ambos estão relacionados com a luta de sobreviver, como o maracatu tentando manter sua visão de mundo.

quarta-feira, 2 de março de 2011