domingo, 18 de outubro de 2009

Por enquanto ainda Durmo

Minhas mulheres, minhas musicas, minhas cores são de outros. Outros talvez eu, mas não este que neste momento dorme enquanto a águia desliza sobre o ar com suas asas industrializadas. Estava longe de casa fazia anos; talvez milênios se a saudade somasse suas forças avassaladoras à passagem do tempo. Estava louco de não ser mais eu. Sou um velho cansado, muitos diriam que era um velho safado, mas este não era eu... A águia branca que no céu desviava das nuvens me faz dormir. Ela balança suavemente, faz um som que me lembra o feroz vento da minha infância. Em tempos remotos em que me chamavam de jovem. Este era eu? Meu Deus! Como pude viver uma doida existência sem saber quem era. Ainda bem que agora durmo, senão cairiam pequenas lagrimas dos meus olhos, coisa que vem acontecendo toda vez que tento achar minha cara no espelho. Acontece tanto que tenho, no momento, que me abastecer de caixas e caixas de papel de rosto. Igual minha velha mãe que... Não sei! Não, ela não chorava! Quem então chorava enquanto a noite do agreste reclamava sua ira? Eu era jovem. Escutava tudo ao meu redor; os bichos da noite, os riachos tão perto e o choro calado, quase sem forma de uma mulher sofrida. Mas quando o sol rasgava a imensidão negra e resplandecia a terra, não havia mais nenhuma mulher frágil. De um lado minha vó tão velha que nem falar mais podia, de outro minha mãe. Tão firme, tão áspera, como um general no comando. Não! Não havia lugar para alguma frágil mulher que chorava ao anoitecer. Ela era uma assombração do nordeste. È por isso que até hoje quando as lagrimas desobedientes caem sobre minha epiderme envelhecida ainda sinto a culpa de ser tão fraco, e por incrível que pareça esta culpa me ascende uma pequena pista, uma fagulha do que talvez eu possa ser. Nunca havia dormido de uma forma tão racional, Aristóteles deve estar feliz. Pena que daqui a pouco um alto-falante ira me acordar. Sairei da águia com o rosto firme e nariz em pé, fingindo não ter nenhuma pista do que sinto. Mas também terei todo o agreste da minha infância e caixas e caixas de papel de rosto para me chutarem a bunda e gritarem em meus ouvidos algumas verdades que tento esconder. Como um vento feroz eu irei passar por tudo que já fui e talvez por um instante chorar no meio da rua ao meio dia...
Porem por enquanto ainda durmo.

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